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Como são os ensaios clínicos e porque são necessários?

Como são os ensaios clínicos e porque são necessários?

Resumo:

  • O objectivo principal dos ensaios clínicos é testar a segurança de um medicamento e monitorar quaisquer possíveis efeitos colaterais ou adversos.
  • Os ensaios clínicos consistem em três fases antes que um medicamento possa ser aprovado para uso público.
  • Existe a possibilidade de uma quarta fase de ensaios clínicos após o medicamento ser aprovado e lançado no mercado para monitorar eventos adversos muito raros.
  • Um medicamento só pode ser licenciado se a relação benefícios-riscos for a favor dos benefícios.
Como são os ensaios clínicos e porque são necessários?

A pandemia COVID-19 é ainda um problema global, com o número actual de mortes em todo o mundo de quase 1 000 000 pessoas e mais de 5000 pessoas nas últimas 24 horas (a 27/09/2020) [1]. Portanto, precisamos de uma solução eficaz para podermos combater o vírus SARS-CoV-2.

Um dos possíveis remédios para esta pandemia poderia ser uma vacina, que, uma vez administrada, forneceria imunidade contra o vírus sem se ser realmente infectado por este. De momento, muitas empresas trabalham no desenvolvimento de uma vacina, e 42 estão a ser testadas em ensaios clínicos [2]. Infelizmente, um deles foi alvo de discussão nas redes sociais, dado que um dos pacientes demonstrou uma reacção adversa. Este estudo foi suspenso para verificar os motivos do adoecimento desse paciente [3]. A investigação mostrou que não há evidências de que a vacina tenha sido a responsável pela doença e os ensaios foram retomados. Esta informação desencadeou outra reacção por parte das redes sociais, de pessoas que já se opunham à vacinação, conforme pode ser visto na secção de comentários de um dos jornais onde se aborda o tema [4].

O objectivo deste artigo é explicar o conceito e as etapas dos ensaios clínicos. Este será seguido por um segundo artigo no qual discutiremos o estado actual das vacinas COVID-19 em mais detalhe.

Embora efeitos colaterais e adversos não sejam desejados em nenhum medicamento ou vacina, a sua identificação adequada faz parte do ensaio clínico [5]. O processo é dividido em três fases distintas no período de pré-aprovação:

  1. Fase I – o principal objectivo nesta fase é avaliar a segurança do medicamento, ou vacina estudada, em pessoas sem qualquer doença subjacente. É por isso que geralmente contém cerca de 20 a 80 participantes voluntários saudáveis que são monitorados de perto para qualquer possível efeito adverso. Geralmente esta é a fase mais curta e dura vários meses [6, 7].
  2. Fase II – o objectivo principal nesta fase ainda é a segurança do medicamento em estudo, principalmente no que diz respeito à posologia do tratamento e à forma de administração. Ao testar vacinas, a eficácia é o segundo objectivo principal nesta fase. Para avaliar ainda mais a segurança do medicamento testado, esta fase contém algumas centenas de indivíduos saudáveis (no caso de estudos de vacinas) ou pacientes com doença (no caso de estudos de drogas) para monitorar de perto quaisquer possíveis efeitos colaterais ou adversos relacionados com a medicação estudada. Esta fase dura mais, de vários meses a alguns anos, dependendo do ensaio [6-8].
  3. Fase III – esta fase é significativamente maior no que diz respeito ao número de participantes, pois contém dezenas de milhares. No caso dos estudos para vacinação, os pacientes ainda são indivíduos saudáveis. Esta é a primeira fase em que a eficácia do medicamento estudado é o objectivo principal, mesmo assim nesta fase ainda é monitorada a segurança do medicamento. Nesta fase, é realizada a avaliação da relação entre riscos e benefícios. Assim, é possível demonstrar que o medicamento estudado é vantajoso para o uso pretendido. Esta é geralmente a fase mais longa e pode levar de um a alguns anos [6, 7, 9].

 

Com tudo isto em mente, é importante entender que o principal objectivo dos ensaios clínicos é testar a segurança do medicamento estudado num ambiente seguro e controlado que permita acesso rápido aos cuidados médicos, em caso de potencial efeito colateral ou adverso durante o estudo.

Mais ainda, é importante salientar que os ensaios clínicos podem ser realizados em dezenas de milhares de indivíduos, o que ainda é um número pequeno quando comparado a alguns bilhões de pessoas por todo mundo. É por isso que a Fase IV dos ensaios clínicos é frequentemente realizada para monitorar a segurança e a eficácia do medicamento após sua aprovação para uso geral. Desta forma, é possível monitorar qualquer efeito adverso raro que possa ocorrer após o uso da medicação estudada [5, 6, 9, 10]. Quando um medicamento é licenciado para uso público após os ensaios clínicos, todos os efeitos adversos e efeitos colaterais ficam publicamente disponíveis e também podem ser comunicados pelos próprios pacientes num website específico. No caso dos cidadãos da União Europeia, pode ser encontrado neste endereço: http://www.adrreports.eu/en/index.html, enquanto que os cidadãos dos EUA podem encontrá-lo neste endereço: https://vaers.hhs.gov/index.html.

Os efeitos adversos e efeitos colaterais acontecem na sua maioria durante os ensaios clínicos, tendo em conta que o seu papel é encontrar, identificar e resolver possíveis problemas. Embora alguns sejam impossíveis de eliminar, é importante relembrar que todos os medicamentos podem ser licenciados para uso público apenas se a relação entre os benefícios e os riscos for notavelmente a favor dos benefícios.

Referências:

  1. WHO, WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. 2020: World Health Organization.
  2. Corum, J.W., S.-L.; Zimmer, C. Coronavirus Vaccine Tracker. The New York Times, 2020.
  3. Phillips, N., D. Cyranoski, and S. Mallapaty, A leading coronavirus vaccine trial is on hold: scientists react. Nature, 2020.
  4. Adverse reaction to Oxford vaccine ‘may not have been caused by jab’. The Telegraph, 2020.
  5. FDA, Vaccine Product Approval Process, U.S.F.D. Administration, Editor. 2018: FDA.gov.
  6. Vaccine Development, Testing, and Regulation. The History of Vaccines: an Educational Resource by the College of Physicians of Philadelphia.
  7. FDA, The Drug Development Process, U.S.F.D. Administration, Editor. 2018: FDA.gov.
  8. Marshall, V. and N.W. Baylor, Food and Drug Administration regulation and evaluation of vaccines. Pediatrics, 2011. 127 Suppl 1: p. S23-30.
  9. Hudgens, M.G., P.B. Gilbert, and S.G. Self, Endpoints in vaccine trials. Stat Methods Med Res, 2004. 13(2): p. 89-114.
  10. Lopalco, P.L. and F. DeStefano, The complementary roles of Phase 3 trials and post-licensure surveillance in the evaluation of new vaccines. Vaccine, 2015. 33(13): p. 1541-8.